Canção da FelicidadeFelicidade! Felicidade!
Ai quem ma dera na minha mão!
Não passar nunca da mesma idade,
Dos 25, do quarteirão.
Morar, mui simples, nalguma casa
Toda caiada, defronte o Mar;
No lume, ao menos, ter uma brasa
E uma sardinha pra nela assar...
Não ter fortuna, não ter dinheiro,
Papéis no Banco, nada a render:
Guardar, podendo, num mealheiro
Economias pró que vier.
Ir pelas tardes, até à fonte
Ver as pequenas a encher e a rir,
E ver entre elas o Zé da Ponte
Um pouco torto, quase a cair.
Não ter quimeras, não ter cuidados
E contentar-se com o que é seu,
Não ter torturas, não ter pecados,
Que, em se morrendo, vai-se pró Céu!
Não ter talento; suficiente
Para na Vida saber andar,
E quanto a estudos saber somente
(Mas ái sómente!) ler e contar.
Mulher e filhos! A mulherzinha
Tão loira e alegre, Jesus! Jesus!
E, nove meses, vê-la choquinha
Como uma pomba, dar outra à luz.
Oh! Grande vida, valha a verdade!
Óh! Grande vida, mas que ilusão!
Felicidade! Felicidade!
Ai quem ma dera na minha mão!
Poema de António Nobre