Anda a raposa na vinha,
Comeu-lhe mais de metade.
Vê-se que é obra daninha
O mal que entrou na herdade!
Meteu-se o bicho na horta,
O cão finou-se de pena.
Ninguém connosco se importa,
Fazem a vista pequena.
Se a tempo não amparamos
O património em destroço,
Fica o arvoredo sem ramos,
Some-se a água do poço.
Foram p'ra mão dos ciganos
As nossas éguas e potros.
Bem mal nos correm os anos,
- Somos o riso dos outros!
Chegou a um ponto a desgraça
Que até os próprios vizinhos
Vêm roubar-nos a caça
Que nós matamos sózinhos!
A casa, posta a tormento,
Já nem a mesma parece:
- Levou-lhe as telhas o vento,
A madre à chuva apodrece.
E tanto o azar se encarniça
Que se isto assim continua,
Temos à porta a justiça,
Vai a família p'ra rua!
Antes que tal aconteça,
Salve-se o resto à fortuna!
Não precisamos cabeça,
Basta que o sangue nos una!
Quando a aliança é segura,
Vencem as forças mais raras,
Como os irmãos da Escritura
Viram no exemplo das varas!
Versos de António Sardinha
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