domingo, 22 de junho de 2008

31-05-2008 PR9 Terras de Bouro (3)

Trilho da Geira - 9 km / circular
Rede de Percursos Pedestres

“Na senda de Miguel Torga”

Um pouco de História

A ÉPOCA ROMANA
Nos limiares da era Cristã, Roma impõe definitivamente o seu domínio na Hispânia pela força de um exército poderoso e organizado.
Redistribuíram as terras conquistadas aos Bracaros e organizaram-nas administrativamente. O “latim” torna-se a língua dominante. Unifica-se o direito, a moeda, os padrões de peso e medidas e o próprio calendário.
Constroem-se cidades e vilas e a vida urbana renova hábitos de convivência social, com preferência pelos jogos de guerreiros e estâncias termais e multiplicam-se as necessidades de consumo. Mais tarde, grandes Imperadores como Caio Júlio César Octaviano Augusto, sobrinho e herdeiro de Júlio César, o máximo pontífice, transmitindo um diálogo de poder universal perante o Povo, cultivava-se intelectualmente em aulas de “retórica” (a arte de falar em público) transmitindo grandeza, sabedoria e progresso.
Mas, as primeiras vias daquele tempo não permitiam grandes deslocações entre Cidades e Vilas onde se edificavam anfiteatros e as “mansio”ou estâncias termais.
Com o rápido crescimento do Império nas antigas terras da Hispânia, houve necessidade de se criarem outras vias terrestres para a comunicação entre as Cidades e locais importantes daquele tempo.
Neste contexto foi então aberta uma VIA NOVA entre Bracara Augusta (Braga) e Asturica Augusta (Astorga), sob o domínio dos Flávios, na segunda metade do sec. I d. C.
Esta via em toda a sua extensão entre Bracara e Asturica somava duzentas e trinta e cinco milhas, que perfaziam cerca de 318 km.
Sendo uma das estradas romanas mais bem preservadas, conservam-se ainda um grande numero de MILIÁRIOS que “balizavam” essas mesmas MILHAS
( mil passos – cerca de 1500m/milha ).

Construção e manutenção da VIA NOVA
O traçado da VIA NOVA foi cuidadosamente planeado por arquitectos, engenheiros e pelos gromatici, os topógrafos que, apesar dos utensílios rudimentares, já calculavam com exactidão as distâncias e os declives. A VIA NOVA foi construída de tal modo que, apesar de cruzar um espaço montanhoso com serras que chegam aos dois mil metros, só em alguns tramos, pouco extensos, alcança 900 metros. Os miliários de Tito e Domiciano documentam a abertura da via. O granito e o xisto, que formam o substrato rochoso ao longo de grande parte do traçado da via, foram utilizados de forma abundante, nos pavimentos lajeados, nos muros de suporte, nas obras de arte, nos miliários. Num contexto climático com alta pluviosidade, com pendores significativos, o traçado da VIA NOVA estava sujeito a processos erosivos intensos, justificando sucessivas obras de manutenção. Os miliários de Maximino e Máximo apresentam um texto muito expressivo, referindo o restauro de pontes e caminhos deteriorados pelo tempo.

A Pavimentação
Para se entender as características construtivas da VIA NOVA é necessário ter em conta o substrato rochoso da região, formado por diversos tipos de granito. Mantendo como objectivo primordial um traçado estável, sem grandes oscilações de cota, a engenharia romana adaptou o traçado de via às condições litológicas e geomorfológicas. Em muitos locais, nos tramos de meia vertente, o substrato rochoso era aplanado, por forma a garantir uma superfície dura, sobre a qual se dispunham uma ou várias camadas de preparação, de grande robustez. Sobre esta camada assentavam dois tipos de pavimento. Nas zonas planas, o piso era de terra batida, misturando arenas e alterites, garantindo deste modo plasticidade e consistência. Nos declives observam-se calçadas de lajes irregulares. Noutros pontos a própria rocha terá funcionado como pavimento, talvez porque o grau de dureza não facilitava a sua desmontagem. Ao longo dos séculos o lajeado das calçadas foi sempre reparado, pelo que não se pode considerar que seja, integralmente, da época romana. Em muitos dos vários tramos de calçada observáveis, no percurso da Geira, é fácil registar o desgaste variável das lajes, o diferente grau de polimento e a desigual profundidade dos sulcos dos carros. A VIA NOVA foi cuidada ao longo de séculos pelo que, ao lado de uma laje original, está uma outra colocada séculos depois.

O Traçado
O traçado da VIA NOVA tem sido objecto de estudo por inúmeros investigadores portugueses e espanhóis, desde o século XVIII. No seu conjunto estes estudos permitem esboçar o percurso deste caminho, nas suas grandes linhas.
Da cidade de Braga descia até ao rio Cávado, que transpunha no sítio da Barca de Ancêde. Depois, rumava a norte e trepava pelos últimos contrafortes da serra de Santa Isabel, ou da Abadia. Abandonava, assim, o vale do Cávado, prosseguindo pelas vertentes meridionais do vale do rio Homem até Covide, onde entrava na serra do Gerês. Atravessava a veiga de S. João de Campo e retomava o vale do rio Homem até à portela homónima. A partir daqui, descia pelo vale de Rio Caldo, onde se situava a mansio de Aquae Originis, continuando até ao vale do Lima que transpunha a jusante de Bande (mansio de Aquis Querquernnis). Daqui prosseguia para nordeste, ao longo da margem direita daquele rio, pela região da Baixa Limia até à Lagoa de Antelas, zona dominada pelo pequeno relevo onde ficava a mansio de Aquis Geminis e onde hoje se observam os restos do Castelo de Sandiás. Neste ponto rumava para norte até ao vale do rio Arnoya, onde se localiza a mansio Salientibus. Depois retomava a direcção nordeste, trepando até ao altiplano de Trives, entrando assim no seu percurso mais acidentado. Nesta zona situavam-se duas mansiones: Praesidio (Burgo); Nemetobriga (Póboa de Trives). Em seguida cruzava, sucessivamente, os rios Návea, Bibei, onde se conserva intacta uma ponte romana, e o Sil, em Cigarrosa (mansio Foro Gigurrorum). Daqui subia para nordeste, ao longo do vale do rio Sil e do seu afluente Entoma, atingindo, assim, a rica zona mineira de Bierzo (Bergidum Flavium). Daí cruzava os Montes de León, alcançando, deste modo, Asturica Augusta. Num percurso de 215 milhas, a VIA NOVA atravessava diferentes regiões naturais e diversas bacias hidrográficas, bem como distintos populi entre os quais referimos os Bracari, os Querquernni, os Limici, os Tamacani e os Gigurri

uma ara romana

As Obras de Arte
As pontes, talvez as maiores obras da engenharia e da técnica de construção viária romana, revestem-se de grande monumentalidade, grandiosidade, solidez e robustez. Ao longo do seu trajecto de Bracara a Asturica a VIA NOVA regista um conjunto de 39 pontes antigas. Porém, destas só a magnífica ponte sobre o rio Bibei, a ponte de S. Miguel, da Macieira, e do Forno, são integralmente romanas.
Nas restantes a edificação inicial acabou por não sobreviver às sucessivas reconstruções. No percurso entre Bracara e a Portela do Homem foram erguidas pelo menos três pontes, que se localizam entre as milhas XXXII e XXXIV. Tal como foi projectada a via, e para além do rio Cávado, apenas na zona da Mata de Albergaria, em plena Serra do Gerês, seria necessário edificar obras de arte. Na Serra, mesmo no Verão, apesar do caudal ser diminuto, o profundo talvegue dos cursos de água, juncado de grandes blocos, não facilitava a passagem de carros. No Inverno, mesmo a travessia a cavalo, ou a pé, eram absolutamente inviáveis, devido à força e violência da corrente. As pontes sobre as ribeiras de Maceira e do Forno eram pequenas, assentes num só arco. A ponte de S. Miguel sobre o rio Homem já possuía outra envergadura, com dois arcos. As invasões dos diversos povos, ao longo dos séculos, têm levado à destruição intencional de pontes. A de S. Miguel, em Terras do Bouro, foi destruída pelos locais no contexto das Guerras da Restauração em 1642. A ponte romana assentava o seu tabuleiro – normalmente horizontal – em grandes arcos uniformes de volta perfeita – constituídos por imponentes aduelas – que assentavam em espessos pegões providos de talhamares na direcção oposta à corrente do curso fluvial. Efectivamente o uso da técnica de arcos pelos engenheiros facilitou a construção de pontes, aquedutos e outros edifícios na época romana.

As Pedreiras
Ao percorrer o traçado da VIA NOVA é ainda hoje possível observar um conjunto de afloramentos talhados, ou com negativos esculpidos na rocha, de onde foram extraídos os materiais para a construção da via, bem como os miliários. O material utilizado varia com os diversos recursos da região atravessada pela estrada, predominando, nesta área, o granito. O material rochoso para as pedras e miliários das calçadas da VIA NOVA foi obtido nas proximidades, em pequenas pedreiras, situadas junto ao caminho, como se pode observar, por exemplo, nas milhas XIV, XVI, XXXI e XXXIII, ou nas imediações da Ponte de S. Miguel. Para o enchimento interior dos robustos paramentos das pontes e nos níveis de preparação dos pavimentos, foram largamente utilizados os calhaus e seixos transportados pelo rio Homem e seus afluentes. Embora fosse, preferencialmente, utilizada a matéria prima local, os construtores romanos recorriam, se necessário, a materiais estranhos à zona. Podia, mesmo, acontecer que os materiais destinados a determinados elementos das vias fossem transportados de longe.

Sistema de Drenagem
Ao longo do seu trajecto, de Bracara a Asturica, a VIA NOVA percorre uma região acidentada com numerosos cursos de água, dos quais muitos possuem um caudal permanente. Para que as estradas não ficassem completamente inundadas, o piso central era ligeiramente convexo, fazendo com que as águas se deslocassem para as valas laterais, sendo, posteriormente, escoadas. Todavia, este tipo de solução nem sempre era possível, adaptando-se melhor aos planaltos, onde as vias em agger se destacam. Quando as estradas se encostavam às vertentes, com o mesmo objectivo, a fim de evitar que as águas invadissem o caminho, os romanos construíram, sob o pavimento, drenos de forma circular, ou de secção rectangular. Na VIA NOVA, ao longo dos séculos, este sistema de drenagem foi, sucessivamente, reparado e reconstruído, de tal modo que é impossível afirmar que são romanas as estruturas deste tipo, observáveis ao longo do seu trajecto. No entanto, a técnica e modo como funcionam não são muito diferentes. Devido ao abandono dos campos, grande parte dos drenos encontram-se, hoje, assoreados ou bloqueados, de modo que a recuperação da VIA NOVA, como caminho pedestre, obriga a reactivar o antigo sistema dos caminhos de água.

A Manutenção
Um dos principais desafios, de todos os poderes, é o da manutenção das obras públicas de interesse geral, como são as estradas. A VIA NOVA entre Bracara e Asturica, eixo de primeira importância sobre o ponto de vista administrativo, foi construída e conservada pelas finanças imperiais, entidade também responsável pelo policiamento e pela eficácia do Cursus Publicus, a rede de albergues, estações de muda, postos de fiscalização e portagens. Tal facto explica a referência nos miliários ao governador C. Calpetanus Rantius Quirinalis Valerius Festus, no ano 80 d.C., a propósito da construção da VIA NOVA. A preocupação em manter em bom estado todos os caminhos ficou gravada nos marcos dos imperadores Máximo e Maximiano (235-238), cujo texto é, por si mesmo elucidativo: O imperador César Gaio Júlio Vero Maximino, Pio, Feliz, Augusto, Germânico Máximo, Dácico Máximo, Sarmático Máximo, pontífice máximo, no seu quinto poder tribunício, sete vezes imperador, propertor, cônsul, procônsul e Gaio Júlio o Máximo, mui nobre César, Germânico Máximo, Dácico Máximo, Sarmático Máximo, Príncipe da Juventude, filho do nosso senhor imperador Gaio Júlio Vero Maximino, Pio Feliz, Augusto, restauraram as estradas e as pontes arruinadas pelo tempo, sob o controlo de Quinto Décio Valeriano, legado de Augusto, propretor. Desde Bracara Augusta ...”

A Paisagem
Numa pequena extensão a VIA NOVA, entre Amares e Lobios atravessa paisagens muito variadas, desde a zona urbana de Braga, com uma elevada densidade construtiva até à Mata de Albergaria, considerada uma reserva integral do Parque Nacional da Peneda-Gerês. O contexto paisagístico da VIA NOVA é, pois, excepcional, permitindo aos viajantes apreciar panorâmicas diversificadas, aprender a gostar da Natureza e conhecer a estrutura agrária da região.

O Cursus Publicus

A rede viária romana sustentava o funcionamento do Cursus Publicus, essencial ao bom governo do vasto império romano. Os três pilares do Cursus Publicus eram as mansiones, as mutationes e os miliários. As mansiones eram locais de descanso, onde os viandantes podiam comer, dormir, tomar banho e abastecer-se para prosseguir a viagem. As mutationes eram estações de muda, onde se podia trocar de cavalo. Situados à beira da via, estes equipamentos asseguravam o correio, a velocidade dos mensageiros, o trânsito de militares, de funcionários e de todos os caminhantes que, pelos mais variados motivos, percorriam as estradas. Os miliários balizavam a via, assinalando as distâncias aos caput viarum, ou seja aos nós rodoviários. No caso do tramo da VIA NOVA entre Baños de Rio Caldo e Amares, os miliários marcavam a distância a Bracara Augusta.

A VIA NOVA – História
No conjunto da rede viária do extenso império romano, o caminho entre Bracara Augusta (Braga) e Asturica Augusta (Astorga – Província de Léon), por Bergidum Flavium (Ponferrada), constitui um testemunho excepcional de uma época em que a Europa era um espaço comum. A construção da VIA NOVA, na segunda metade do século I d.C. reforçou a malha viária, permitindo o reordenamento territorial, a intensa actividade mineira, com destaque especial para o ouro, contribuindo a longo prazo para a emergência de uma entidade histórica que perdurou ao longo dos milénios: a Callaecia.

Viajantes
Os testemunhos arqueológicos e literários do mundo romano sublinham que as deslocações eram normais e bastante vulgares na sociedade romana. Diversas razões, nesses tempos, tal como hoje, obrigavam a viajar. Entre os muitos motivos destacamos os de ordem profissional, religiosa, comércio, saúde, assim como os decorrentes de interesses de lazer, ou de cultura.
De entre os viajantes que terão percorrido a VIA NOVA, através dos tempos, referimos: Lucius Didius Marinus; Marcus Silonius Silanus; Tertia Flacilla; Quinto Ennius Asiaticus; Lucio Pompeio Reburro; Calaicus; Morinus; Quinto Licínio Vegeto; Popillius Hirsutus; Atilius Astur; Aelius Sporus; Iulius Flavinus; Vallius Maximus; Marcus Aemilius Lepidinus e Lucius Cornelius Placidus; Hidácio de Chaves.
Destacamos a inscrição de Vallius Maximus, considerando a especificidade das divindades tutelares a que é dedicado o altar.
Vallius Maximus
[LAR] IBUS/ [VIA] LIBUS/ [V] ALLIUS/ [M]AXIMUS/ EX VOTO
“Válio Máximo dedicou este altar aos Lares Viales”.
Os Lares, divindades protectoras da família, dos caminhos e dos lugares, por vezes mesmo com tutela sobre uma colectividade, aparecem aqui sublinhados sob a forma de Viales. Desta forma, Válio Máximo, ao dedicar este altar em Santa Maria de Trives Vello, Ourense, terá percorrido uma parte do traçado da VIA NOVA.

moeda romana


Consolidação da Romanização e a abertura da VIA NOVA
A política de romanização do Noroeste é prosseguida sob os restantes imperadores da dinastia júlio-cláudia: Tibério (14-37 d.C.), Cláudio (37-41) e Nero (54-68). Com o assassinato deste último termina a primeira dinastia do Império Romano. No quadro da crise aberta pelo fim da referida dinastia, destaca-se a intervenção do governador da Hispania Citerior, Galba, que é aclamado imperador. Porém, Galba apenas reinará durante seis meses, pois também é morto. Todavia, a sua ascensão ao trono, embora efémera, assinala a importância crescente da Hispania no quadro do Império Romano. A fechar um conturbado período de pouco mais de um ano em que se sucedem três efémeros imperadores, emergiu uma nova dinastia, a dos Flávios, fundada por um general de origem humilde, Vespasiano. Os textos de autores gregos e latinos, bem como os dados arqueológicos, demonstram que, sob o governo dos Flávios, a Hispania e o Noroeste Peninsular se inserem, definitivamente, no quadro da civilização romana. O imperador Vespasiano (69-74) concede o Ius Latius, que permite a determinados indígenas ascenderem à cidadania romana. Assiste-se à emergência de novos municípios (por exemplo, Aquae Flaviae e Iria Flavia), enquanto que outros centros urbanos se renovam e expandem. Verifica-se uma intensificação da actividade mineira e um crescimento global da economia.

Espero com este meu trabalho te entusiasmar para que também venhas caminhar por troços da Geira ou, quem sabe, percorrer toda a sua extensão disponivel.

(compilação de textos: C.M.Terras de Bouro, PNPG, A Geira, Imp.Romano...)

Já agora, tome nota:
O Parque Nacional Peneda Gerês é candidato às 7 Maravilhas da Natureza!
Entre neste site http://www.new7wonders.com/classic/en/index/
e vote nas 7 opções e claro está, em primeiro lugar:
Europe / Peneda-Gerês National Park (Portugal)

A "Caramulinha" agradece!

Boas Caminhadas

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