terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

3ª Edição “Matança do Porco” (2)

Mondim de Basto

«O porco, criado e cevado com desvelos de que gozam poucos humanos, lá está a sangrar no banco do sacrifício. Berra que espanta a penumbra da madrugada, mas o seu sofrimento não encontra eco nos ouvidos de ninguém. Quanto mais barulhenta for a agonia, mais escoado ficará o seu corpo no chambaril.Impressionou-me sempre na vida aldeã este cerimonial doméstico, que acaba por deixar um morto de pernas para o ar, pendurado na trave da casa. Na manjedoira vai nascer o Salvador; à lareira vaie-se juntar a família; e à entrada da porta simbólica renovação do Ano Novo, o espantalho do cadáver que há-de alimentar o futuro!»

Palavras de Miguel Torga

Criação do porco em Trás-os-Montes

Em tempos que já lá vão, por cada casa de família das aldeias de Trás-os-Montes, havia pelo menos um porco para a matança. Nas casas de senhoriais mais abastadas chegavam a matar até 5 ou mais porcos, pois deles dependiam muitas das refeições ao longo do ano. No entanto, eram também fonte de receita quando se vendia algum, pois este rendimento era importante, senão mesmo o produto mais viável para o sustento de algumas famílias, associados à venda dos presuntos e também algum fumeiro. Com o debandar das populações das aldeias, hoje em dia as matanças são menos frequentes, pois a criação de porcos deixou de fazer parte dos costumes rurais comuns das pessoas que ainda resistem e são fiéis à antiga tradição.
Mesmo assim, há ainda algumas aldeias, nas oito Freguesias que contituem o Concelho de Mondim de Basto, nomeadamente aquelas onde o despovoamento menos se fez sentir ou até em alguns casos regenerando, que esta tradição ainda se mantém, sendo este dia da matança um grande acontecimento local, bem como de reunião da família.
Vilar de Ferreiros, Vilarinho e Carrazedo são alguns lugares onde a tradição ainda predomina.

O porco Transmontano

A raça de porco predominante em Trás-os-Montes é a “bisara”, de cor branca ou branca com malhas pretas. O porco bisaro tem uma carcaça em que a proporção da carne é mais do que a da gordura. Desta forma, obtêm-se produtos mais magros, com menos toucinho e com a carne mais entremeada. Em Trás-os-Montes os porcos são engordados com castanha, batata, abóbora e alguma farinha. O consumo da castanha pelos porcos, vai dar um sabor muito particular às carnes, tornando os enchidos muito saborosos. Uma das características dos enchidos de Trás-os-Montes é a sua enorme variedade, fruto de diferentes temperos e diferentes maneiras de preparar as carnes, consoante cada região. As carnes são cortadas finas para diferentes alguidares, donde se fazem diferentes enchidos e ficam a marinar nesse tradicional tempero durante dois ou três dias. Usa-se, como é óbvio, o sal, os alhos, vinhos regionais, colorau, pimenta e outras especiarias. A fumagem das carnes nesta região é feita com lenha de carvalhos ou dos castanheiros e, devido ao clima em Trás-os-Montes ser mais frio, deixa-se a fumar por cima das lareiras mais tempo do que nas outras províncias Portuguesas.
Quem gosta destas “coisas” sabe como são agradáveis e muito famosos os enchidos da região do Barroso, de Vinhais (especialidade em salpicão), de Macedo de Cavaleiros, de Chaves ou de Bragança. Vinhais e mais concretamente Mirandela produzem aquelas famosas e excelentes alheiras. Outros mais há, na mesma tão bons, embora de lugares menos conhecidos, ao gosto e até ao poder de compra de cada família, que fazem ao longo de gerações, por manter vivas estas tradições de fumeiro.

Textos/Compilação: Tradições e Costumes dos Transmontanos

Ditado Popular: “Se queres ver o teu corpo abre um porco”

Continua...

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