quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Feliz Natal 2009

Conto de Natal



«Jesus»

Comiam todos o caldo, recolhidos e calados, quando o menino disse:
- Sei um ninho!
A Mãe levantou para ele os olhos negros, a interrogar.
O Pai, esse, perdido no alheamento costumado, nem ouviu. Mas o pequeno, ou para responder à Mãe, ou para acordar o Pai, repetiu:
- Sei um ninho!
O velho ergueu finalmente as pálpebras pesadas e ficou atento, também.
A criança, então, um tudo-nada excitada, contou.
Contou que à tarde, na altura em que regressava a casa com a ovelha, vira sair um pintassilgo de dentro dum grande cedro. E tanto olhara, tanto afiara os olhos para a espessura da rama, que descobrira o manhuço negro, lá no alto, numa galha.
A Mãe bebia as palavras do filho, a beijá-lo todo com a luz da alma. O Pai regressou ao caldo.
Mas o menino continuou. Disse que então prendera a cordeira a uma giesta e trepara pela árvore acima.
De novo o Pai levantou as pálpebras cansadas e ficou tal e qual a Mãe, inquieto, com a respiração suspensa, a ouvir.
E o pequeno ia subindo. O cedro era enorme, muito grosso e alto. E o corpito, colado a ele, trepava devagar, metade de cada vez. Firmava primeiro os braços; e só depois as pernas avançavam até onde podiam. Aí paravam, fincadas na casca rija.
A subida levou tempo. Foi preciso descansar três vezes pelo caminho, nos tocos duros dos ramos. Por fim, o resto teve de ser a pulso, porque eram já só vergônteas as pernadas da ponta.
Transidos, nem o Pai nem a Mãe diziam nada. Deixavam, apavorados, mudos, que o pequeno chegasse ao cimo, à crista e pusesse os olhos inocentes no ovo pintado. O ninho tinha só um ovo.
Aqui, o menino fez parar o coração dos pais. Inteiramente esquecido da altura a que estava, procedera como se viver ali, perto do céu, fosse viver na terra, sem precisão dos braços cautelosos agarrados a nada. E ambos viram num relance o pequeno rolar, cair do alto, da ponta do cedro, no chão duro e mortal de Nazaré.
Mas a criança, apesar de mostrar, sem querer, que de todo se alheara do abismo sobre que pairava, não caiu.
Acontecera outra coisa. Depois de pegar no ovo, de contente, dera-lhe um beijo. E, ao simples calor da sua boca, a casca estalara ao meio e nascera lá de dentro um pintassilgo depenadinho.
E o menino contava esta maravilha com a sua inocência costumada, como quando repetia a história de José do Egipto, que ouvira ler a um vizinho.
Por fim, pôs amorosamente o passarinho entre a penugem da cama e desceu. E agora, um nada comprometido, mas cheio da sua felicidade, sabia um ninho.
A ceia acabou num silêncio carregado. Só depois, à volta do lume quente do cepo de oliveira em brasido, é que os pais disseram um ao outro algumas palavras enigmáticas, que o pequeno não entendeu. Mas para quê entender palavras assim? Queria era guardar dentro de si a imagem daquele passarinho depenado e pequenino.
Isso, e ao mesmo tempo olhar cheio de deslumbramento os dedos da Mãe, que, alvos de neve, fiavam linho.
E tanto se encheu da imagem do pintassilgo, tanto olhou a roca, o fuso, e aqueles dedos destros e maravilhosos, que daí a pouco deixou cair a cabeça tonta de sono no regaço virgem da Mãe.

Conto de Miguel Torga

O Grupo Familiar "Caramulinha" deseja a todos que visitam este blogue, um SANTO NATAL na Paz de Jesus.

Beijinhos

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