domingo, 16 de novembro de 2008

27-09-2008 PR Trilho do Corgo (6)

(Alvações / Lobrigos) 11 km / Circular
Rede de Percursos Pedestres
Santa Marta de Penaguião


A Brasileira de Prazins
(curto resumo)

Quem já leu este espectacular romance de Camilo Castelo Branco, encontra algumas páginas alusivas a estas Aldeias que hoje percorremos, concretamente numa das partes que mais gostamos, quando Camilo descreve o personagem “Veríssimo”, o tal que se fez passar por D. Miguel e que graças às semelhanças com o “Príncipe Absolutista” ludibriou muita gente…

«…Em 1827, o Veríssimo estudava em Coimbra humanidades para seguir a jurisprudência. Era bom estudante, aplicado e sério. Era um bonito homem, rosto oval, olhos de rara beleza, nariz ligeiramente aquilino. Diziam-lhe que era o vivo retrato de D. Miguel, aperfeiçoado pelo desaire de coxear.

(…)Depois da convenção, Veríssimo Borges recolheu a Alvações do Corgo, onde encontrou o pai num grande abatimento de tristeza e de recursos. A sua lavoura de vinho era pequena. Privado do ofício e malquisto como ladrão, o representante de Lopo Rodrigues socorria-se à beneficência de uma irmã, a Dª. Águeda, viúva de um major de milícias que morrera no ataque ao forte das Antas. O convencionado, naquela estreiteza de meios, quis voltar à fileira; mas o pai negou-lhe a licença, arguindo-lhe a baixeza de sentimentos, em querer servir o usurpador, e citava-lhe as cortes de Lamego.
O Veríssimo, argumentando contra estas cortes, alegava que antes queria encontrar na casa de seu pai, em vez das velhas instituições de Lamego, os modernos presuntos da mesma cidade.
A tia Águeda, a viúva do major, tinha pouco. Desde 1828 até 1833 gastara seis mil cruzados em festejar os natalícios e as vitórias do Sr. D. Miguel com banquetes e iluminações que duravam três noites, num delírio de bombas reais e foguetes de lágrimas, com adega franca. Mandava cantar Te-Deum na igreja de Alvações assim que no “país vinhateiro” soava a notícia de alguma vitória do exército fiel.

Ora, os realistas, a contar por cada Te-Deum de Alvações, entravam no Porto às quinzenas para saírem por uma barreira e voltarem logo pela outra.
Dª. Águeda começava a desconfiar que o Deus de Afonso Henriques voltara a casaca.
Restava-lhe pouco; mas não queria que o Veríssimo se fizesse malhado. Sacrificou-se à honra da família, levou-o para casa, deu-lhe mesa farta, e consentiu que o vadio se mantivesse regaladamente, de papo acima, tocando flauta, a trasfegar em si o resto da garrafeira. Aconselharam-na que ordenasse o sobrinho, visto que ele já tinha exames de latim e lógica. O Veríssimo disse que sim, que queria ser padre. Tinha-se esclarecido nos encargos do ofício, observando a vida sossegada e farta dos párocos.
Um seu parente, o abade de Lobrigos, tinha liteira, parelha de machos, matilha de cães e hóspedes na sua residência episcopal. Outros, com menos rendas, eram ainda invejáveis; um viver espapaçado em doce moleza, inofensiva, com grande estupidez irresponsável, um regalado epicurismo. Veríssimo achou que, se não pudesse ser bom padre, havia de pertencer à maioria; e, se desse escândalo, um de mais ou de menos não perturbaria a ordem das coisas. Os seus amigos e parentes abundavam no dilema.
D. Águeda fazia concessões à fragilidade do clero; – que seu sexto avô também fora bispo e pai de sua quinta avó, por Camelos. O parente abade de Lobrigos, em confirmação das pré - claras linhagens de coitos sacrílegos, afirmava que a sereníssima casa de Bragança descendia de padres pelo pai de D. Nuno Alvares Pereira, que era prior do Crato, e pelo avô, o padre Gonçalo, que fora arcebispo de Braga; e que os condes de Vimioso e Atalaia, e todos os Noronhas, oriundos de certo arcebispo muito devasso de Lisboa, e muitas outras famílias da corte descendiam de prelados.

Estas genealogias orientavam o Veríssimo no futuro do sacerdócio. Queria ser abade, ressalvando tacitamente certas condições a respeito dos rebanhos e particularmente das ovelhas. O Norberto morreu por esse tempo de uma congestão cerebral; alguém diz que o esganaram na cama dois malhados de Lobrigos contra os quais ele tinha jurado em 28. Dª. Águeda recebeu o sobrinho carinhosamente. A herança do pai estava empenhada; foi à praça; sobejaram uns novecentos mil-réis e a casa com as armas, pagas as dívidas.

O Nunes dizia-lhe da Póvoa que andava por lá miserável, um piranga, na gandaia; que o pai dava-lhe um caldo de feijões e o tratava como um cão vadio. Que, depois da partida do Algarve, não tinha com quem praticar em Braga para solicitador, nem tinha que vestir. O Veríssimo chamou-o para Alvações com generosidade. Vestiu-o, e dava-lhe meios para ele poder estudar em Vila Real, com advogados miguelistas, que o estimavam muito.
No Inverno de 1840, Dª. Águeda morreu de uma indigestão de castanhas, complicada com enterite crónica e saudades da realeza. Deixou ao sobrinho a casa, as vinhas muito delapidadas; e o retrato do Sr. D. Miguel às freiras de Santa Clara de Vila Real e mais dez moedas de ouro com a condição de lhe acenderem quatro velas de cera no dia dos anos de Sua Majestade.
Veríssimo viveu então largamente. Fez-se chefe de partido nas redondezas de Alvações do Corgo, onde era conhecido pelo capitão Veríssimo. Deitou cavalo e mochila; jogou rijo dois anos na Feira de Santo António, em Vila Real, e perdeu tudo. O Nunes, que já solicitava causas na Póvoa, repartia com ele dos seus proventos muito escassos, porque o juiz e os escrivães faziam-lhe guerra implacável, e as partes fugiam dele.

O Veríssimo saiu de Alvações, onde não possuía palmo de terra; e, como tinha boa forma de letra, ofereceu-se para amanuense a um tabelião de Alijó. Ganhava três tostões por dia e jantar. Como era boa figura, a mulher do tabelião, uma trigueira de má casta, entrou a compará-lo com o marido, que tinha os dentes muito lurados e os olhos tortos. Mas o tabelião viu as coisas pelo direito, e pôs o amanuense na rua, e a mulher em lençóis de vinho…»

Até Breve.

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