quarta-feira, 8 de abril de 2009

A Páscoa em Portugal

Costumes e Tradições – Província do Minho.

« No Minho, tradicionalista e Católico, a Páscoa é a maior festa do ano.
Chega como uma bênção de felicidade e alegria para ricos e pobres.
O minhoto vive nela os melhores dias do ano.
A Páscoa proporciona-lhe os momentos mais alegres da sua vida, inspira-lhe os maiores gestos de piedade e de crença, ensina-lhe as mais belas atitudes de generosidade e de fraternidade. E até nas preocupações de limpeza e de aceio que lhe merece, ela é a festa grande. O minhoto prepara-se para o gozo da Páscoa limpando o corpo, limpando a casa, limpando a alma. Os “deveres da alma” merecem-lhe particular cuidado.
No “confesso” quaresmal das freguesias minhotas, para a desobriga católica, os padres não têm mãos a medir. O «seu» abade lá está à espera deles, severo e implacável, de lápis em riste sobre o rol, esperando que todos cumpram a sua obrigação e tragam a frase sacramental: « Senhor abade, risque-me!» E que o não façam… Aos “maçons” não vai a Cruz a casa, o que vale, na Freguesia, pelo teor dos atestados de mau comportamento.

Domingo de Ramos é a porta aberta para esta semana de encantos e de religiosidade.
Os altares cobrem-se de roxo. Benzem-se simbólicos ramos de oliveira e folhas de palma, de que o povo supersticiosamente se apossa como dum talismã.
Nas trovoadas valem como a melhor das orações a Santa Bárbara. A bênção dos ramos é seguida de missa solene com o canto do texto da Paixão.
Apagados e diferentes decorrem no Minho Segunda e Terça-feira Santas. Apenas as solenidades da Igreja, nos centros mais populosos, trazem à lembrança dos fiéis as derradeiras lutas de Cristo com os judeus e as intrigas diabólicas de Caifás.
Quarta-feira acendem-se os círios para ofício de trevas, com “matinas” e “laudes”, que começa a meio da tarde e se prolonga pela noite adentro. Na Igreja… quando o último lume se apaga e o silêncio pesa mais profundamente na atmosfera e se esvaem as ultimas lamentações do cantochão, a garotada irrompe num barulho infernal de maçanicos, latas e matracas, que se precipita, através das portas escancaradas, numa gritaria insuportável. Curiosa e ridícula rememoração dos insultos atirados sobre o pálido Jesus, na casa de César, em Jerusalém!

Quinta-feira de Endoenças, se na aldeia minhota decorre suave e sem brilho, nas cidades e vilas é o dia solene de visita às Igrejas, em piedosa romagem de ver-a-Deus, pois manda a tradição católica que os fiéis visitem neste dia sete Igrejas, para comemorar os sete passos de Jesus a caminho do Calvário; os outros em deleitosa romagem de ver mulheres.
É dia de penitência e de jejum.
Evocam-se as recordações da última ceia do Senhor, da instituição da Eucaristia e da traição de Judas Iscariote.
É ao fim da tarde que o movimento se acentua, agitando uma multidão bem trajada e circunspecta. Os pais de família, contagiados pela doçura que transparece em todos os rostos, esquecem os pesados encargos que contraíram para porem na rua a família nas condições requeridas pelas circunstâncias.

Sexta-feira de Paixão passa com serenidade. É de luto pesado pelo Senhor-Morto!
É o dia do enterro do Senhor, da Adoração da Cruz, da desnudação dos altares.
Nas torres dos campanários os sinos emudecem. A sombra da Cruz, símbolo do Amor, de sacrifício e de redenção, projecta-se sobre a turba contristada e enlutada a abençoar e a remir…
Sábado de Aleluia abre ao Sol da manhã, primaveril e farto, como uma alvorada gloriosa. Repiques festivos dos sinos das torres altas, os bons-dias fraternais e amigos, começa o minhoto a sua feira da Páscoa, abundante e rica. O mercado anima-se, numa larga exposição de fartura pascal, enquanto por várias ruas, os espantalhos dos Judas, caricaturais e ridículos, estoiram, alçando nos ares grandes labaredas de fumo.
Dão-se e recebem-se folares: pão-de-ló, roscas de trigo alvo, caixas de amêndoas pintalgadas, bolos saborosos…

Domingo de Páscoa, dia de Cruz na aldeia, é o grande dia do ano, o maior, o dia solene para o lavrador minhoto. Enchem-se as casas de alegria e de fartura, à espera da bênção do senhor abade. A meio da sala, caiada de fresco, está posta a mesa do folar. Sobre ela estende-se a melhor toalha guardada zelosamente no fundo do arcaz da roupa, para esta cerimónia, luzente de goma, roçando pelo soalho os penduricalhos de renda. No centro uma maçã cheirosa ou laranja vermelha. Outros põem ovos e doces, que os mordomos recolhem em cestos enfeitados, para eles e para o senhor abade.
Toda a família se reúne para beijar a Cruz processional que o mordomo sorridente passa de boca em boca, enquanto o senhor abade espalha água benta.
Por sobre os carros de mato, estendidos à porta do lugar, espalham-se montões de verdura fresca, ramos de mimosas cheirosas, de eucalipto, rosmaninho ou funcho.
Nas casas fidalgas o abade é recebido com pompa e “chieira” e um grande estendal de coisas ricas e boas.
E o abade satisfeito, louvando o tempo e as mercês do Criador, depois de benzer toda a casa – os soalhos de castanho, as camas altas de pau-preto, os oratórios, as salas e os corredores longos e asseados – senta-se para dar dois dedos de palestra, entre duas dentadas saborosas e dois goles de vinho…

Acompanham o abade, o “mordomo” da Cruz, apoiando o crucifixo de prata da paróquia sobre todo o braço esquerdo; o “mesário”, com a caldeira de prata da água benta; mais dois ou três “campónios”, carregando os cestos dos ovos, os sacos dos folares e a campainha, quando não são, em alguns casos, as mais lindas moças da freguesia vestidas à lavradeira…
A Páscoa no Minho é uma festa enternecedora e santa. Que alegrias e consolações ela não trás ao lavrador minhoto, que lida heroicamente de sol a sol, durante um ano inteiro, em luta constante com a terra quase sempre ingrata e dura!
Basta-lhe um dia – Domingo de Páscoa festivo e grande – para o consolar duma vida de trabalho e de incertezas.»

Texto (resumo): José Crespo

Quantos de nós, ao lermos esta narração de há algumas décadas atrás, do grande médico e escritor José Crespo, se irão recordar como era, até na infância, a semana da Páscoa lá na terra, com seus costumes e tradições d’outros tempos!...
Cabrito ou borrego criado durante o ano, nesta altura é rei à mesa!
Para os que vivemos nos grandes centros urbanos, os actos da comemoração da Páscoa foram, de um modo geral, sempre mais simples e sem grandes mordomias.
Alguém me disse um dia:
- Páscoa é pão-de-ló e amêndoas!...
- Páscoa é muito mais do que isso, ora pensa melhor ... respondi-lhe.
É uma festa Religiosa que nos envolve espiritualmente, relembrando, segundo a Bíblia Sagrada, a morte de Jesus para salvação do homem e o milagre da sua Ressurreição.
Mas é também o reunir à volta da mesa toda a Família (infelizmente muitos já não têm) num convívio salutar e fraternal, que deveria continuar ao longo de toda a Vida!

À sua maneira, cada qual festeja a Páscoa como lhe ensinaram e quase todos nesta ocasião tratam de dar o melhor que podem aos seus filhos, lembrando também os familiares e amigos.

A todos, desejamos uma Santa e Feliz Páscoa,
com a Graça de Deus!

Sem comentários: