domingo, 11 de maio de 2008

A Quinta da Conceição ( 2 )

Leça da Palmeira – Matosinhos

« Estamos ainda em frente da porta vermelhaça que foi substituída à outra. Vem abrir uma mulher vestida de serguilha e lama.
- Muito bons dias.
- Viva vossemecê, quer comprar pêssegos ou maçãs? – pergunta a pomareira.
- Não senhora. Queríamos pagar-lhe o favor de nos deixar ver o Convento.

- Qual Convento?! Volve ela espantada.
- O Convento da Conceição.
- Cá não há nada disso há muito. Aqui dentro o que há é a casa do Sr. Fulano. Onde vão os Frades!... Nem eu já me lembro deles…
Diz isto a sorrir da nossa ignorância a mulher.
- Bem sabemos que não há Frades lá dentro; mas a casa que eles deixaram…
- Isso foi-se. O Sr. Fulano comprou isto ao Sr. Sicrano e já não achou cá Convento nem onde ele estivesse.
- Nem onde ele estivesse?... ora essa!
- Isto é um modo de falar. Lá que ele esteve, esteve;
Mas isso foi lá no tempo da minha mãe que ainda cá veio à desobriga c’um fradinho muito santo e bom homem. Olhe, vossemecê pode entrar, se quiser, que eu mostro-lhe onde foi o Convento.

Pois sim, vamos, se dá licença.
Cá estamos. Se esta mulher nos deixasse. Aqui nos há-de vir aos olhos uma lágrima e é preciso que ela não veja… felizmente batem à porta… é um rancho de senhoras do Porto que pedem pêssegos e maçãs. São poetisas que vêm cismar no paraíso terreal e comer do fruto que sua avó comeu à tripa-forra para o estarmos agora pagando. Lá vai a mulher. Deixe-a ir. Ei-la que volta o rosto contra nós e diz:
- O que há que ver aí está. O Convento era ali, e a Igreja acolá. Rimou e despediu-se.
Onde ela disse “ali” era um casarão com algumas dúzias de janelas arquitectadas à feição da Rua Augusta, assim vistosas e pitorescas. Onde ela disse “acolá” era um palheiro, com quatro janelas, duas frestas e duas portas.
Bem, sente-se Vª Ex.ª neste beiral da eira e conversemos.

Este lugar era uma Quinta, chamada da Granja, que pertencia ao Balio de Lessa.
Dois benfeitores compraram isto e deram-na aos Frades de S. Clemente das Penhas.
Era já cerrado e de séculos, o arvoredo da grande mata que devia ser tudo isto que Vª Ex.ª vê enverdecido de milheirais. Os cronistas gabam as suas aprazíveis abobadas de ramagens e as Capelinhas entranhadas por devesas e bosques.
Das ruas, será ainda porventura uma que lá passa em baixo, com sua enorme mesa de pedra onde as senhoras portuenses estão comendo as maçãs.

Capelinhas há uma ou duas, desabrigadas de árvores, desgraciosas e que não dizem coisa de nada nem a devotos nem a poetas. Os passarinhos também fugiram, uns passarinhos domésticos, os quais diria Frei Manuel da Esperança, lhes iam comer à mão. Era a santidade da casa e mistério.
Tanto era mistério, veja lá, que se ouvia o rouxinol, calhandra ou pintassilgo. Algumas poucas avezinhas que hoje por aqui passam, fogem da espingardaria dos caçadores e escondem-se lá em baixo, nos amieirais do Lessa, porque é aquele ainda o rio do tempo dos Frades. Serpenteia sereno como ia, espelha ainda o céu no mesmo cristal.

O Padre Esperança dizia do seu Lessa: «… toda esta formosura nos realça a vizinhança do Lessa, o qual cortando vagaroso por muitos prados alegres, dá suspeitas de os ir deixando por violência. Chega a esta casa, parece que se esquece de continuar seu curso, fazendo dificultoso nosso juízo em querer determinar para que parte caminha…»

Continua…

Compilado pela “Caramulinha”

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