sábado, 6 de dezembro de 2008

O Meu Presépio

…este Ano, tem apenas dois figurantes:


Yaroslav Tarnavskyy e “Smart”

O espaço envolvente ao Templo do Bom Jesus de Matosinhos, é todo ele um cenário bucólico, romântico e sereno, que ao longo dos tempos foi crescendo e se transformando.
Seculares plátanos abrigam bancos de pedra e canteiros entrelaçados que embelezam o património edificado, desde o adro até às Capelinhas e chafarizes.

Nalguns lugares, do sopé dos canteiros sobem pequenas grutas de pedra e cimento em chão de terra batida, que os ornamentam, dando mais romantismo a este local.
Quantos já aqui se apaixonaram e prometeram continuar juntos pela vida fora e para gáudio alguns poetas escreveram versos apaixonantes e pintores criaram telas divinais.

Mas, (ironia do destino?!) numa dessas grutas que na Romaria eu vi crianças a brincar, serve agora de “abrigo” onde dormem o Yaroslav, emigrante da Macedónia e o “Smart”, seu único amigo, cão negro que, tal como ele, estava abandonado na rua e trouxe para junto de si.
É tempo de Inverno, chuvoso e frio e aquele “buraco” está exposto às intempéries.

Sobre o tecto da gruta, ilusoriamente colocou um plástico que lhe deram para “amenizar” as infiltrações, pois a chuva também é “muito curiosa” e gosta de ir ter com aqueles corpos que no bafo das trevas estão dormindo altas horas da noite.
Os ventos tenebrosos entram por todos os lados, zumbindo gemidos gritantes!

No chão, cartões fazem de colchão, quando se deitam juntos, para se aquecerem, envoltos nos sacos-cama que alguém lhe deu. Ao lado, alguma roupa e tralhas.
Numa das entradas, recipientes de plástico para a água e comida do “Smart”, bem como duas lamparinas de cera, que acenderá, se poder, um pouco antes de adormecer.
Recolheu um pequeno feixe de paus mas sem vestígios que alguma vez já tivesse acendido lume, para se aquecer ou aquecer algo, pois nem se vê qualquer louça.
Vives aqui nesta miséria? Não tens mais ninguém? Mais nada? – perguntamos.

- Não! De meu só tenho o “Smart”!
Um forte arrepio, como um relâmpago gelado, correu todo o meu corpo e não aguentei, sem chorar na frente deles!
Nos meus ouvidos, parecia que um disco arranhado encravou e não queria parar, repetindo por longos momentos aquela cortante frase: «Só tenho o “Smart”! Só tenho o “Smart”!....»
Pára! Não chores!... murmurei para comigo.
Não vês que pasmas os dois e ofuscas o som do sino, que está a dar as 11.00H ?!

Alguns fiéis saem na porta da Igreja e outros cá fora acendem lamparinas mas… ninguém repara nesta pobreza, nesta solidão!
Estou tão triste!
Na minha velha casa tenho mesa, uma boa cama quente e uma toalha de linho, que limpo o rosto. Aqui, nada!
Já há duas semanas que os dias são cinzentos e chuvosos.
Com esta melancolia, eu vinha calcorreando caminhos e veredas, à procura dum cenário fora da rotina, que me transmitisse aquela mensagem, aquele motivo que contagia e desperta para o espírito natalício. Mas, “Ele” acabava sempre por me fugir

Sem dar conta, surge-me essa “mensagem” ali, testemunho da solidão, naquela gruta, diante dos meus olhos, para rasgar o coração!
Ajude-me, por favor! – diz-nos Yaroslav.
Toma alguns euros e vai comprar pão, disse-lhe.
Mas, …sou um pobre cidadão anónimo… como é que te posso ajudar?...pensei.
Num ápice, lembrei-me:
- Olha, tenho um blogue na Net e posso denunciar o teu caso. Pode ser que alguma Entidade competente com responsabilidades civis e humanas que não saibam, tomem conhecimento deste caso e numa atitude consciencializada se disponibilizem para te ajudar.

Tu és mais um caso desse grande problema da imigração de Leste, quiçá clandestina.
- Eu já trabalhei na Maia mas, aleijei-me (arregaçando a manga mostra uma cicatriz no antebraço) e depois despediram-me. Deixei de poder pagar a renda da casa. – diz Yaroslav.
Ficaste sem casa e vieste para aqui dormir, para perto da Igreja, a Casa de Deus?
Ninguém te vê? Há quanto tempo estás aqui?
- Ninguém me ajuda! Eu estou calado! Sozinho com o “Smart”!
Se calhar, (pensei eu) … vieste para aqui e no teu silêncio, um silêncio acusador que não sendo violento e sem te manifestares, pode vir acordar alguém que dorme em cama lavada e quando aqui passa nem repara em ti, pois fragilizado és incapaz de reclamar justiça.

Se alguém tiver já denunciado este caso, que nos desculpe pois, desconhecemos que esteja a ser tomada qualquer acção de ajuda.
A todos que visitam este blogue (inclusive jornalistas) suplicamos:
Venham ver pelos vossos próprios olhos, denunciem e divulguem este caso. Façam o que estiver ao vosso alcance, para que alguém tome as devidas providências. Quem dera, quando chegar a noite de Natal, o Yaroslav tenha, já pelo menos, uma cama digna para dormir e na ceia esteja sentado numa mesa própria de um ser humano, quiçá por acção da Autarquia, Assistência Social ou qualquer Entidade do Estado que dê apoio à pobreza extrema!
Nessa noite, eu queria passar por aqui e no Céu de Matosinhos só ver estrelas a brilhar.
Depois, fechar os meus olhos e suspirando de alívio, murmurar baixinho: Bendito Seja Deus!

Para ti, Yaroslav, dedico este poema de esperança da autoria do “Grande Mestre” Leceiro, António Carneiro:

Caminho da Verdade

Venho da rua. Um inebriamento
De formas e de cores abalou
Um momento o meu ser, onde pousou
Numa interrogação o desalento.

No silêncio do lar as mãos ansiosas
Levanto, e cerro os olhos cismador.
Todas as sombras logo em redor
De mim vêm alinhar-se carinhosas…

Que tens, pobre amoroso? Duvidaste?
Viste só com os olhos e cegaste…
Vê com a Alma, amigo. Põe constante

O coração nas coisas. Ama, crê!
A verdade é em ti, amigo, sê
Tu mesmo e achá-la-ás a todo o instante!...

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