« (...) As leis cabralistas, principalmente as da saúde e as da décima de repartição, deixaram a população do reino em permanente efervescência. Em cada dia que passa, a população não cessa de reclamar. Mas é inútil. As suas reivindicações continuavam por satisfazer.
Faziam-se então apelos à revolta:
Povo! Meneia três vezes a cabeça, reflecte!
Povo! Meneia três vezes a cabeça, reflecte!
Não tens um pulso para a espada, um ombro onde encostes a espingarda, olhos para a pontaria, dedos para o gatilho?
O povo, por enquanto, barafusta. Agita-se. Move-se contra a lei da saúde. E a partir de Janeiro de 1846, no concelho da Póvoa de Lanhoso, começaram as desordens. Os sinos das Igrejas de Taíde, Oliveira e de outras freguesias das cercanias não pararam de tocar, “ora a defunto, ora a rebate, e eram mulheres que os tocavam”. Parecia, diz um contemporâneo, “uma entremezada”. De todos os lados, chamadas pelos sinos, chegavam mulheres alvoraçadas e em coro com as outras foram retirando ou soltando impropérios contra os empregados da saúde, contra os emolumentos sanitários, dizendo que a igreja era sua, que os mortos não precisavam de pagar a médicos e cirurgiões para se enterrarem.
No dia seguinte foram presas quatro mulheres ( três de Fonte Arcada e uma da freguesia de Taíde), “havidas por cabeças de motim”. A de Taíde - foi logo tirada no caminho aos cabos por mulheres armadas e ...outras recolhidas na cadeia da Póvoa.
Na vila, no Largo da Fonte, tinham as revoltosas o seu quartel-general: a Estalagem de Luísa Balaio - conhecida, desde há muito, por Maria da Fonte. Na sociedade oitocentista portuguesa, aqueles espaços constituíam a atracção de múltiplos encontros. Eram lugares de paragens, acolhimentos, bebericares, lambiscos, paródias, negócios e confidências. Maria Luisa Balaio tinha relações estreitas e ocultas com a entrosagem da sarrafusca, estava inserida numa rede de cumplicidades, aguentava o vaivém do turbilhão. Foi da sua locanda que saíram as revoltosas com o ânimo de libertarem as companheiras. No meio de cantorias, “assaltaram a cadeia, cujas portas despedaçaram a machado, e tiram as presas, não anuindo porém às instâncias dos outros presos que queriam evadir-se”. Quem sobressai nesta arremetida? Maria Angelina, que dá o sonho, a cor e a energia à insurreição. Vestida de colete de lã e saiote encarnado, com duas pistolas metidas na larga faixa e carabina ao ombro, iluminou os talvegues, quebradas e cordilheiras. A sua presença desafiou o século, e foi mais do que o símbolo da sublevação feminina. Em pleno romantismo, foi título de jornal, inspirou escritores, jornalistas, poetas, dramaturgos, musicógrafos, pintores, caricaturistas e foi, por diversas vezes, litografada. Ana Maria Esteves também saiu da obscuridade por estar à cabeça das atroadas e ter arrombado, com golpes de machado, as portas e o alçapão da cadeia. Mas o verdadeiro herói está na rua: é o colectivo feminino!
As mulheres, em bandoria, deslizam em festas e brados. Nos ares ressoam os vivas à rainha, os vivas às mulheres, os morras aos Cabrais e as palavras de ordem do movimento:
O povo, por enquanto, barafusta. Agita-se. Move-se contra a lei da saúde. E a partir de Janeiro de 1846, no concelho da Póvoa de Lanhoso, começaram as desordens. Os sinos das Igrejas de Taíde, Oliveira e de outras freguesias das cercanias não pararam de tocar, “ora a defunto, ora a rebate, e eram mulheres que os tocavam”. Parecia, diz um contemporâneo, “uma entremezada”. De todos os lados, chamadas pelos sinos, chegavam mulheres alvoraçadas e em coro com as outras foram retirando ou soltando impropérios contra os empregados da saúde, contra os emolumentos sanitários, dizendo que a igreja era sua, que os mortos não precisavam de pagar a médicos e cirurgiões para se enterrarem.
No dia seguinte foram presas quatro mulheres ( três de Fonte Arcada e uma da freguesia de Taíde), “havidas por cabeças de motim”. A de Taíde - foi logo tirada no caminho aos cabos por mulheres armadas e ...outras recolhidas na cadeia da Póvoa.
Na vila, no Largo da Fonte, tinham as revoltosas o seu quartel-general: a Estalagem de Luísa Balaio - conhecida, desde há muito, por Maria da Fonte. Na sociedade oitocentista portuguesa, aqueles espaços constituíam a atracção de múltiplos encontros. Eram lugares de paragens, acolhimentos, bebericares, lambiscos, paródias, negócios e confidências. Maria Luisa Balaio tinha relações estreitas e ocultas com a entrosagem da sarrafusca, estava inserida numa rede de cumplicidades, aguentava o vaivém do turbilhão. Foi da sua locanda que saíram as revoltosas com o ânimo de libertarem as companheiras. No meio de cantorias, “assaltaram a cadeia, cujas portas despedaçaram a machado, e tiram as presas, não anuindo porém às instâncias dos outros presos que queriam evadir-se”. Quem sobressai nesta arremetida? Maria Angelina, que dá o sonho, a cor e a energia à insurreição. Vestida de colete de lã e saiote encarnado, com duas pistolas metidas na larga faixa e carabina ao ombro, iluminou os talvegues, quebradas e cordilheiras. A sua presença desafiou o século, e foi mais do que o símbolo da sublevação feminina. Em pleno romantismo, foi título de jornal, inspirou escritores, jornalistas, poetas, dramaturgos, musicógrafos, pintores, caricaturistas e foi, por diversas vezes, litografada. Ana Maria Esteves também saiu da obscuridade por estar à cabeça das atroadas e ter arrombado, com golpes de machado, as portas e o alçapão da cadeia. Mas o verdadeiro herói está na rua: é o colectivo feminino!
As mulheres, em bandoria, deslizam em festas e brados. Nos ares ressoam os vivas à rainha, os vivas às mulheres, os morras aos Cabrais e as palavras de ordem do movimento:
Leis novas abaixo, velhas acima! (…) »
Texto (curto resumo): “A Revolta da Maria da Fonte” de Luís Dantas
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