terça-feira, 23 de junho de 2009
Quadras de S. João
Há verdades que se dizem
E outras que ninguém dirá.
Tenho uma coisa a dizer-te
Mas não sei onde ela está.
Duas horas te esperei.
Dois anos te esperaria.
Diz-me: devo esperar mais?
Ou não vens porque inda é dia?
Toda a noite ouvi no tanque
A pouca água a pingar.
Toda a noite ouvi na alma
Que não me podes amar.
Compras carapaus ao cento,
Sardinhas ao quarteirão.
Só tenho no pensamento
Que me disseste que não.
No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem lá estar.
O vaso do manjerico
Caiu da janela abaixo.
Vai buscá-lo, que aqui fico
A ver se sem ti te acho.
Tens um livro que não lês,
Tens uma flor que desfolhas;
Tens um coração aos pés
E para ele não olhas.
O vaso que dei a quem
Que não sabe quem lho deu
Há de ser posto à janela
Sem ninguém saber que é meu.
O manjerico comprado
Não é melhor que o que dão.
Põe o manjerico ao lado
E dá-me o teu coração.
No dia de Santo Antônio
Todos riem sem razão.
Em São João e São Pedro
Como é que todos rirão?
Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, não tem tinta.
No dia de S. João
Há fogueiras e folias.
Gozam uns e outros não,
Tal qual como os outros dias.
Quadras de Fernando Pessoa
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